Por debaixo dos escombros

Eu

        Toca o despertador, é o horário do remédio que eu por sorte já havia tomado. Sorte mesmo, por que eu sou péssima em tomar remédio e lidar com a hora assim tão precisa. Eu que não estava aqui nem lá. Não estava no espaço do meu quarto, senão no espaço do meu próprio corpo.
        Às vezes buscamos respostas dentro de nós sem saber como, mas a gente continua se perguntando, se confrontando, se exigindo. A resposta não vem. Ao menos pra mim. Talvez dentre todas as vezes em que fiz isso, tive um total de zero respostas. Eu não sou boa nem para me atender no tempo certo, ao menos no tempo em que me angústia deseja.
      Eu que não estava aqui nem lá, mas habitando precisamente meu próprio corpo consegui por uns instantes não pensar. Algo me fazia,  hoje, desacelerar. A cabeça pulsa, o corpo repentinamente cansa e a voz some em plena segunda-feira. "Quantas vezes você vai fingir que não dói"? Foi a frase que me veio agora ao reviver isso enquanto escrevo. Ao invés do entendimento em palavras, no hiato forçado da mente desabei feito criança que vê o pai depois de uma pesadelo ainda na madrugada. E nesse cenário eu tenho longa experiência.
      Quem desde cedo foi forçado a enfrentar seus próprios perigos na fragilidade do sonho, sabe do que estou falando. Sonhar é viver na atmosfera da lua. É a corrida que não acontece, o grito que não tem força, é o tapa que não alcança, é o choro que seco acorda a gente. Até que a gente aprende a mudar de sonho, a acordar fora de hora rezando e a voltar dormir rezando também.
      Mas, aqui na vida real rezar tem seus limites. Aqui, nos é exigido mais de nossas mentes e corpos. Meu grito ganha corpo, mas adoece minha voz e minhas relações. Minha corrida é latente, mas vencida pela minha teimosia em "encarar o bicho de frente". Meu tapa pode alcançar, mas o esforço para buscar o equilíbrio- ainda- é maior. Meu choro? Ele existe só fica perdido aí em algum lugar.
      Infelizmente, vejo que existem pessoas que nasceram para guerra. Até dormir em paz é privilégio. Aceito as vestes, preparo as armas. Mas, quando a mente desarma volto para o eixo humano de novo. "Quantas vezes mais você vai fingir que não dói?" Eu não sei. Sinceramente, eu não sei.
      Olhar para a sala cheia de crianças e ver mil mundos se colidindo e ter que escolher pela harmonia da galáxia, mesmo que uns ou outros continuem sofrendo e implodindo lentamente diante dos meus olhos: dói. Escolher o que salvar e quem salvar em meio a tempos tão instáveis: dói. É como se me pedissem para escolher que parte do meu corpo salvar quando estou em completamente em chamas. T U D O faz parte de mim.
       E só escrevendo isso aqui e agora que entendo que o segredo está em se desidentificar com o corpo. Eu não sou meus olhos. Eu não sou minha boca. Eu sequer sou minha mente e meu coração. T U D O faz pare de mim, mas não sou isso. Ou ao menos, não APENAS isso. Se a vida em mim é resquício do sopro divino, dou graças por poder ser vento.
       Dou graças por manter a mente ocupada e evitar mais desabamentos por aí. Detesto dar trabalho emocional para os outros. E tem momentos em que o que a vida pede da gente é a capacidade de nos concentrarmos no que nos engradece. Existe uma frase maravilhosa que diz que perdão é o perfume que a rosa exala, quando esmagada. Às vezes a vida nos exige o perfume.
     O que sobra é o que de alguma forma sempre me acompanhou desde a idade mais tenra. O vento no rosto, no cabelo, nos conselhos, nos dias bonitos. Hoje, ganha outra forma. Ainda mais poderosa e divina!
      Se a casa não é feita apenas pelas paredes, mas pela vida que habita dentro dela eu sou a vida em mim mesma. "Eu sou a consciência desperta do sopro de Deus".(COLA ESSA NA PAREDE!) . E o que sobra? É sopro.
      Eu sangro. Eu doo. Eu erro. Eu erro. Eu erro. Eu perco a admiração. Ganho fôlego. Ganho experiência. Ganho maturidade. Ganho gratidão.
      Eu não sou minha vestes, não sou minha suposta personalidade, tampouco minhas ideias. Eu sou o que o sopro divino quis de mim assim que permitiu minha criação. O resto é coisa do mundo, das relações humanas existentes no mundo. E eu não sou o mundo, apenas estou nele.
      Que eu possa a cada desabar me reconciliar com o vento que há tanto tempo me alegra, me guia e me cuida.
E que eu nunca esqueça que sempre sobrará o sopro.
E eu espero que você também.
<3

Comentários

  1. Que lindo, seu texto, Bárbara! Me identifico com o que você escreve, principalmente pela sensibilidade (que a mim me parecia mais aflorada quando eu era adolescente). Às vezes dói mesmo. E se reconhecer é difícil, coisa que descobri ser um processo. Longo, que não necessariamente tem fim. Todo dia é dia para se conhecer um pouquinho mais. Grande beijo!

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    1. Que bom que se identificou! É bom saber que nossa dor não dói sozinha né? Tem sempre alguém que pode nos entender de alguma forma. E sim, autoconhecimento é processo, até porque viver é mudar também né, há sempre o que se aprender de novo. Obrigada pela sua contribuição. Volte sempre! :)

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