Movimento "das manas": estamos mesmo dispostos a desenvolver a empatia?


    Novamente trago um texto sobre nós e para nós mulheres. E novamente não vou entrar em mérito, nem demérito de "feminismo" ou qualquer outro movimento pró-mulheres, simplesmente por que meu intuito é sempre falar para TODAS nós, não para algumas, nem muitas, mas TODAS. E embora o espaço de fala seja de um lugar feminino voltado para o feminino em si, os homens que se entendem engajados na causa das mulheres, estão mais que convidados a seguir por aqui, esse texto é para vocês também!
   Nessa perspectiva, não acho apropriado trazer nomenclaturas, nem uma ideologia específica para não excluir nenhuma de nós que não se identifique com esses movimentos. Em contrapartida, convoco o "movimento das manas", justamente porque vejo mulheres diversas se chamando assim atualmente. Esse termo aparentemente não é mais sobre ser feminista ou não, mas sobre como as mulheres podem se unir ao se tratarem como irmãs. Pelo menos seria assim, no "mundo ideal". Eis que surge minha questão: estamos mesmo dispostos a desenvolver empatia entre nós? 
    Eu perambulo bastante por grupos do Facebook em que há majoritariamente a presença feminina. E nesses espaços somos nós falando entre nós e tentando de alguma forma nos reaproximarmos enquanto "unidade feminina", entende? E aonde há o mínimo de acolhimento, há pedido de socorro, de ajuda, de atenção. Por que, sim o mundo é cruel e todos nós temos problemas e nossas fragilidades. Então por que sofrer sozinho se ás vezes não conseguimos mesmo segurar nossos próprios desafios com as mãos? E são nesses tópicos que eu ainda fico de boca a berta com o abismo em que há entre o discurso e a prática. E ainda observo como a teoria continua tentando se sobrepor as vivências humanas e sensíveis.
     Geralmente esse tópicos de ajuda giram em torno de questões de relacionamentos complicados/abusivos sejam do âmbito amoroso ou familiar. Estamos falando de relações profundas que envolvem muita das vezes não apenas o sentimento, mas questões financeiras, valores e princípios que se chocam gerando ainda mais dor e confusão. Exatamente, por isso muitas de nós acabam se sentindo num "beco sem saída". O que me abisma é ver respostas de meninas que no intuito de ajudar (inclusive começando seu conselho com "mana"), mas o conselho real mesmo é o curto e grosso "larga desse cara, esse cara é um babaca". GENTE: vamos nos colocar de fato no lugar da "mana" e pensar que se a situação é tão ruim quanto ela está colocando a gente não pode simplesmente pela autoridade ser "mulher" dizer que ela tem que largar dele, até porque muito provavelmente ela já saiba disso. 
     Então, o que fazer? Eu acredito que quando alguém se expõe dessa forma na internet, se expõe para pessoas as quais ela não conhece de verdade ela deve estar bem desesperada ou buscando receber algo que não tenha recebido antes e que encontrou ali naquele grupo o qual ela usou para pedir ajuda. Lembram do primeiro ponto que falei sobre esse grupos? Acolhimento! Talvez essa mana, precise mesmo de uma irmã que esteja a fim de ouvi-la para faze-la sentir-se bem e não para "cagar regra" (como dizem por aí). Esses conselhos resumidos em "larga dele" (agregado de ofensas ao rapaz/pai/irmão/irmã) ou o tradicional e, às vezes, imaturo "ele não te merece", não ajudam a fortalecer a auto-estima dessa mulher, pelo contrário. Quando você fala mal do cara que ela se relaciona, você fala mal dela que ama esse cara e que em algum momento achou que esse cara seria bom para ela. E é claro que as pessoas podem mudar durante um relacionamento, mas se o cara é um babaca agora e eu continuo com ele é por que me coloco pelo menos no mesmo nível que ele. É  isso que fica girando no nosso inconsciente nesses conflitos relacionais. Então, vamos por partes. 
     Quando você já chega dizendo o que acha que a pessoa deve fazer, inevitavelmente você já parte de um lugar superior de quem "tem a solução", ignorando o lugar de escuta, de ajuda sensível de quem está honestamente interessada no bem da pessoa. E por isso perde a oportunidade de devolver a ela algumas perguntas para entender melhor a situação para conseguir dar alguns conselhos que façam pensar juntas num melhor caminho para a situação. C o n s t r u i r   e m   c o n j u n t o. Não, já partir de um lugar de respostas prontas, baseadas em ideias preconcebidas sobre as relações e as dificuldades que cada um pode ter dentro dela. Afinal, somente a pessoa que está dentro da situação que sabe como e aonde dói e sabe muito bem que é ela quem deve dar seus passos rumo a sua felicidade e harmonia. (Se a pessoa ainda não sabe, deveria. E podemos ajudar nisso também). Nós as "manas" estamos aqui para sermos apoio e não "condutoras da luz".
    Outro aspecto que me incomoda também nessas "respostas prontas" é que acabamos dando opiniões baseadas em pensamentos prontos que às vezes nem tem a ver com a situação. GENTE 2: se queremos mesmo ajudar as pessoas, por que não buscar compreender melhor elas e o que elas estão vivendo? Às vezes essas respostas já partem do pressuposto que as mulheres são fracas e coagidas, quando nem sempre a informação que a pessoa nos passou dá para confirmar esse quadro. Coação e relacionamento abusivo são coisas sérias de mais para gente sair jogando isso na cara das pessoas, principalmente quando nem conhecemos a pessoa nem a situação direito. E assim, ao invés de ajudar podemos acabar atrapalhando.
     Eu sei que entre nossas amigas o caminho tende a ser mais "direto" e muita das vezes precisamos mesmo que alguém "traga nossa dignidade em três verdades jogadas na cara". Eu sei que às vezes é difícil se conter por que a dor da outra pode bater direto na nossa, ou pelo menos é o que parece ao primeiro olhar. E entendo também que às vezes somos controladoras e compassivas de mais a ponto de querer enfiar goela a baixo a "solução dos problemas do outros", por que a gente não aguenta mais ver as pessoas sofrerem. Só tem um detalhe: geralmente essas amizades são de anos, geralmente esses conselhos vêm por que conhecemos muito bem a pessoa com a qual estamos falando e conhecemos bem o relacionamento ou a situação retratada. Nessa relações já há intimidade, conhecimento e confiança e por isso mesmo podemos falar as verdades necessárias, por temos mais condições de reconhecer essa "verdade".Mas, não são essas as relações que temos com aquelas que queremos chamar de irmã pela internet.
     Aprendi tudo isso por que sempre fui a amiga controladora e sincera ao extremo, eu não queria deixar que minhas amigas se enfiassem em situações que para mim eram claramente furadas. Não queria a ponto de que se dependesse de mim eu não "deixava" mesmo elas cometerem as burradas, se dependessem de mim para encontrar o boy-furada eu empatava mesmo, eu encarava mal e falava o que eu tinha para falar se preciso fosse. Por que, era assim que eu protegia quem eu amava e achava mesmo que eu tinha alguma autoridade para isso. Até que um belo dia eu me cansei  de tantas vezes que tinha que dar os mesmo conselhos e ver sempre as mesmas situações sendo repetidas. E eu entendi, então, que era importante elas terem as experiências delas para que através disso elas aprendessem com os próprios erros. Afinal, eu dava praticamente os mesmo conselhos desde o início da amizade (tenho coleções de amigas com mais de 6 anos de amizade). E isso obviamente me mostrou com o tempo que meus conselhos não se concretizavam como eu gostaria. 
     Meu trabalho então passava a ser de coadjuvante e eu compreendia que não podia de fato ensinar nada a ninguém. Afinal: 1) Quem eu pensava que era para querer ensinar algo? 2)Nós só aprendemos por nós, no nosso próprio tempo, do nosso próprio jeito. Nós precisamos aprender nossas lições com nossas próprias mentes/corações/corpos. E foi assim que eu comecei a repensar meu lugar de amiga/conselheira/mãe (por que eu sei que é da minha natureza ser mãe velha, só que agora menos invasiva e turrona). Isso me forçou a tentar entender de verdade como as minhas amigas eram, como elas pensam/sentem/agem. E pude começar a perceber que as nossas diferenças não significam que elas estão erradas e são necessariamente auto-destrutivas, significam apenas que mesmo todas nós sendo mulheres somos diferentes entre nós. Foi nesse momento, de repensar meu lugar de fala enquanto amiga, que eu pude entender o que é ter empatia e o quanto eu era negligente, simplesmente por que eu (A estranha) sentia e via as coisas muito diferentes do que a maioria das minhas amigas.
     E, assim, manas, encerro essa incipientee reflexão para que a gente busque se manter atento quando alguém nos pede algum conselho/socorro. É claro que há de fato as situações de risco e violência concretas (aqui me refiro também as psicológicas). Mas, por isso mesmo é preciso ter empatia e perceber como essa mulher se vê nessa situação, qual é a ajuda que ela está pedindo e que tipo de ajuda ela realmente precisa. Se não tivermos uma escuta sensível de quem está realmente interessado em ajudar e não somente em dar o conselho mais independente/rebelde/idealista a revolução pela Unidade será apenas moda.
    E não precisamos de mais modas, precisamos nos manter vivas, saudáveis e unidas.

***
 Esse post saiu com muito carinho e espero que curtam esse tipo de conteúdo no blog! A caixinha de sugestões e opiniões está sempre aberta para a interação de vocês. Sintam-se a vontade e voltem sempre!
Beijos!

Comentários

  1. Que texto mais intenso, todo mundo deveria ler. O problema de hoje em dia é que as pessoas são boas para profetizar, não para agir. Observo tantas mensagens espetaculares no Facebook e fora dele, todo mundo fazendo o contrário.

    www.kailagarcia.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Kaila! Eu realmente me senti num trabalho de parto gerando esse texto, tamanha foi a intensidade para mim. Algumas questões mexem muito com a gente e quando queremos mudanças reais, acho que a intensidade acaba sendo inevitável. Pode me ajudar levando essa reflexão pra frente compartilhando esse texto com quem quiser, eu agradeço muito se contribuir para aumentar a rede de reflexões e mudanças!

      Beijos

      Excluir
  2. Achei seu texto fantástico, acho que falta um pouco mais de sensibilidade. Muitas pessoas querem ser as donas da razão na internet. Já vi muitas pessoas desabafando em redes sociais e para chegarem a este ponto de se abrirem com estranhos é porque não encontraram outra solução ou alguém próximo para ajudar.
    Espero que este movimento de união entre as mulheres cresça cada dia mais. Mas temos que ter em mente que somos pessoas diferentes, e muitas vezes queremos conforto, compreensão e não julgamentos. Beijos
    www.charme-se.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Exatamente isso! Sensibilidade humana é o que falta e MUITO! Fico feliz com seu comentário, pois são nessas trocas que percebemos que não estamos sozinhas e vale a pena continuar lutando por respeito e união!
      Beijos!

      Excluir
  3. Que texto incrível, Bárbara! Sério, está de parabéns. Colocou em palavras tudo aquilo que penso. Como as meninas acima disseram, falta muita sensibilidade na internet. As pessoas acham que podem falar tudo o que pensam, da maneira que querem, ofendendo ou não. E aí vem com o famoso "tenho liberdade pra dar a minha opinião". É triste isso, falta muita empatia. A gente nunca vai entender o outro fielmente até estar de fato no lugar dele. Precisamos ser mais pacientes, precisamos pensar mais antes de falar. Até porque, como tu disse, se uma pessoa se abre na internet para estranhos, é porque realmente precisa de ajuda e não tinha mais a quem recorrer, queria opiniões diferentes das que já ouviu. Acho que a internet ainda tem muito a melhor. Aliás, as pessoas que estão nela, e que se acham as donas da verdade.

    Beijos! =)

    Letras na Gaveta

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Falta sensibilidade mesmo! Muito, isso é um problema das pessoas em si. A internet é um reflexo do que ainda somos. E realmente temos muitos donos da verdade por aí. Pelo menos na internet podemos expor nossa opinião (respeitosa e pertinente), reflexão e desejo de mudança a muitas pessoas de uma só vez. Pensando nisso alimento um pouco mais a esperança de ver a internet melhorar, como você bem falou ☺
      Obrigada pela contribuição com sua atenção e zelo em comentar !
      Beijos

      Excluir
  4. Que texto maravilhoso. Também estou em vários grupos e sempre vejo relatos. Eu vejo muita empatia entre as pessoas, sempre tem alguém disposta a ajudar do mesmo modo que tem gente que não entende a situação que o outro passa e quer impor coisas.
    Só que tem um grande porém, tem muita gente com empatia seletiva e isso dificulta tudo. Acho que todas as mulheres deviam uma cuidar da outra.
    Beijos
    http://lolamantovani.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Verdade, essa empatia seletiva é o que mina o projeto de união feminina. Se desenvolvemos de verdade a empatia, ela não pode ser seletiva! Nossa essência é humana e feminina, não faz sentido seletividade. Isso mostra o quanto ainda precisamos nos curar internamente para pararmos de classificarmos e hieraquisarmos umas as outras! Também acho que devíamos cuidar uma das outras, se nos ocupamos em nos cuidar de verdade não teríamos tempo para nos acharmos melhores que ninguém.
      Obrigada mesmo pela troca e contribuição aqui no blog, sempre bom conhecer um pouco do eco que nossos textos fazem por aí a cada leitura!
      Volte sempre!
      Beijo!

      Excluir
  5. Empatia! Que sonho isso! *-*
    Olha, lendo o seu texto, me lembrei da época do ensino médio. Eu também via tudo de um jeito diferente, na verdade até achava que as minhas amigas eram cegas mesmo. Pois para mim, não tinha outra explicação se envolver com caras que CLARAMENTE não eram respeitosos.
    Eu até perdi uma das minhas amigas por um tempo. E a discussão foi exatamente essa, dela querer se envolver com fulano. Eu julguei, ela devolveu. Me mandou cuidar da minha vida, que eu não tinha o direito de escolher com quem ela deveria se envolver e porque eu achava que sabia de tudo e de todos.
    Foi tenso.
    Mas foi preciso e necessário. Ela estava certa.
    Afinal, quem sou eu?
    Se também cometo erros.
    E a resposta dela me fez pensar bastante e mudar também. A partir daquele dia, não me meti mais na vida de ninguém. Só ficava observando. Afinal, o que eu tenho a ver?!
    Depois que ela se decepcionou com ele, depois que aconteceu tudo aquilo que eu havia alertado, ela voltou e me pediu desculpas. Disse que deveria ter me ouvido, que eu só estava tentando ajudar.
    Maaaas, ela estava certa em "eu realmente estava tentando ajudar". Mas ela realmente/certamente não deveria me ouvir mesmo. Ela tinha que passar por tudo aquilo, precisava cair para se levantar. Precisava errar.
    E não é porque é minha amiga, que eu não posso deixar a pessoa errar. Que não posso deixar a pessoa viver como quer.
    Hoje eu enxergo dessa maneira. E me sinto horrível quando lembro de ter sido tão autoritária nas minhas amizades.
    Sorte que evoluímos, amadurecemos e crescemos.
    Parabéns pelo texto, ótima reflexão. Adorei o termo que utilizou. Movimento das manas, é nósss! <3

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi,Nick!
      Eu também já fui muito autoritária, por isso tento hoje passar o pouco que aprendi e venho aprendendo com a vida. Com certeza o tempo e principalmente as experiência que a vida nos traz nos aprimoram muito! Mas, hoje em dia com mais acesso a informação acredito que podemos otimizar certas aprendizagens, para que o processo seja menos doloroso para nós e para quem nos cerca. Por isso, acredito tanto nessa troca sincera, nas reflexões em conjunto.A gente aprende muito uns com os outros, aliás não se faz nada sozinho! Então tudo bem tropeçar ao longo do caminho, o importante é que conseguimos nos levantar mais fortes e atentos a ajudar quem caminha lado a lado.
      Obrigada pelo carinho ao comentar!
      Beijos

      Excluir

Postar um comentário